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26 de abril de 2024

Maringá: A mãe que aceitou ficar cega para não abortar a filha


Por Fábio Guillen, com informações de Monique Manganaro Publicado 10/05/2020 às 13h17 Atualizado 23/02/2023 às 03h26
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Neste dia tão especial, Dia das Mães, o GMC Online vai relembrar uma história emocionante da região de Maringá que mostra um pouquinho da grandeza do amor de mãe.

Com apenas 15 anos, Márcia Bonfim Vieira foi colocada diante da escolha de ser mãe ou continuar enxergando normalmente. Difícil, não? Mas para ela o aborto não era opção e, por isso, decidiu ser mãe e ficar cega.

Paranaense de São João do Ivaí (a 121 quilômetros de Maringá), Márcia engravidou em outubro de 1993. Após ser diagnosticada com uma doença inflamatória nos olhos, ela teve que fazer a escolha.

“Eu ia fazer 15 anos ainda, em dezembro, [mas a gravidez] não me assustou, porque eu sempre quis ter um bebê. Então, fiquei muito feliz na época”, relembra.

Em meio à emoção de receber a primeira filha, os sintomas de uma doença que mudaria toda a vida que Márcia levava apareceram ainda nos primeiros meses de gestação. As dores nos olhos, a vermelhidão e a visão turva foram os sinais iniciais. Em dezembro do mesmo ano, a então adolescente já tinha perdido praticamente toda a visão.

Especialistas precisavam ser consultados. Pela falta de recursos da cidade à época, foi preciso procurar ajuda na região. Após a primeira consulta em Apucarana, no mesmo dia, os médicos decidiram transferi-la para Curitiba, onde ficou internada por 12 dias.

Foi na capital o diagnóstico: uveíte.

“Lá eu descobri que eu estava com uma doença sem origem. Eles não conseguiram achar a causa para a minha perda de visão no momento. Mas já estava muito inflamado e [eu] já não estava enxergando mais nada”, explica.

O tratamento foi iniciado em Curitiba, a base de fortes remédios, mas a vida continuava e a gravidez evoluía. A esperança de voltar a enxergar ainda existia.

Sem conseguirem determinar a origem da doença, os médicos de Márcia decidiram dividir o caso com oftalmologistas americanos que estariam no Brasil naquele ano.

Com a chegada dos médicos ao Brasil – e ela entrando no sexto mês de gestação – surgiu, então, uma boa notícia (aparentemente): os especialistas descobriram um tratamento e gostariam de submete-la à pratica que a devolveria boa parte da visão.

“Na hora, eu fiquei muito feliz de estar os ouvindo falar que eu ia voltar a enxergar”.

Porém, ao explicarem os procedimentos que seriam necessários, veio o susto.

“Para a gente fazer esse tratamento, você vai ter que fazer o aborto. Você pode romper essa gravidez para voltar a enxergar. Você vai passar por um procedimento que o feto não vai suportar”, relembra.

Recuperar a visão exigia que Márcia abandonasse o maior sonho da vida até o momento.

Ao saber da notícia, mesmo ainda desesperada pela condição em que estava, ela decidiu rapidamente não fazer o aborto.

“Eu queria ser mãe. Não havia dúvida. É óbvia para mim essa escolha”, enfatiza.

A gravidez seguiu e em julho do ano seguinte chegou o momento tão esperado: o nascimento de Lariane. Para os médicos, ainda restavam preocupações sobre a formação da bebê por causa dos remédios utilizados no início da doença. Mas a criança nasceu sem sequelas.

O amor de mãe se mostrou, mais uma vez, acima de todas as dificuldades enfrentadas pela família.

“Eu pedi para o meu médico me deixar vê-la. Eu só queria ver a minha filha na hora em que ela nasceu. Aí, ele falou: ‘eu vou te mostrar’ e encostou o rostinho dela, ainda quente, na minha bochecha. Eu pude ter o primeiro contato. Isso para mim foi muito lindo”, emociona-se.

A chegada a Maringá e a transformação pelo esporte

Mesmo após ser submetida a diversos tratamentos, voltar a enxergar já não era mais alcançável. O quadro era irreversível.

Ainda enfrentando dificuldades para lidar com as novas condições, em 2000, mais mudanças. Uma nova vida em Maringá começava e o recomeço para Márcia estava próximo.

Na época, ela lembra que ainda não andava sozinha pelas ruas e tinha vergonha da própria condição. O preconceito em usar bengala a deixava dependente de outras pessoas.

Foi quando conheceu a Associação dos Deficientes Visuais de Maringá (Adevimar).

“Foi a associação que me apresentou ao mundo. Sou muito grata por tudo o que vivi lá”, afirma.

A essa altura, Márcia teria uma ajuda inesperada para seguir a vida: o esporte.

Dentro da própria associação, ela teve o primeiro contato com o goalball – modalidade praticada exclusivamente por deficientes visuais.

No convívio com outras pessoas na mesma condição, Márcia lembra que ganhou confiança e vontade de voltar a ser independente nas práticas do dia a dia.

“Eu queria muito poder ser livre como fui na infância.”

O contato com o esporte foi o gatilho para que ela se redescobrisse. A prática a levou para as competições, regionais, estaduais, nacionais e internacionais após ingressar na seleção brasileira feminina da modalidade.

Depois de oito anos em Maringá, a nova Márcia e a filha voltavam a morar em São Paulo. A ideia era se preparar ainda mais para os jogos paraolímpicos da China.

Reconhecimento

A história da atleta na seleção terminou em 2014, com grandes conquistas na bagagem: participação de mundiais na Finlândia e na Turquia; paraolimpíadas em Londres, campeonato na Suécia.

Dentro do goalball, um novo amor. Após anos separada, Márcia conheceu o atual companheiro. Hoje, aos 39 anos, a pequena Lorena é a irmã de Lariane, que completou 25 anos. Para Márcia, o amor pelas filhas e pela família se multiplicou.

“Atualmente, eu sou atleta de alto rendimento do Santos Futebol Clube e no ano passado a nossa equipe foi campeã brasileira. Eu sou muito realizada no esporte, na minha vida, e hoje só tenha a agradecer por tudo o que aconteceu. Pelos momentos não tão bons, porque servem para a gente criar força. É caindo que a gente aprende a se levantar”, diz.

Até hoje, nenhum arrependimento pelas escolhas que fez.

“Eu dou a minha vida por elas. Elas são a minha razão de viver, a minha força de lutar com a vida e nunca desistir.”

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