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19 de abril de 2024

RICO OU MAL EDUCADO


Por Rogel Martins Barbosa Publicado 31/10/2019 às 10h00 Atualizado 25/02/2023 às 01h28
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Quem produz mais lixo? Parece uma questão difícil de resolver, mas acredito que temos uma pista substancial sobre a produção de lixo e sua relação ou não com a riqueza ou pobreza de um povo e sua educação ou deseducação.

Para isto vamos usar os dados da Abrelpe que recente publicou o Panorama 2018/2019 (1) , o Rendimento Domiciliar Per Capita – RMDPC publicado pelo IBGE e também o IDEB, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, criado em 2007, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Quanto ao IDEB, Talvez não seja o mais perfeito índice, mas acredito que seja o mais próximo do conceito de educação que queremos expor.

Alguns poderiam objetar e indagar porque não o IDH, Índice de Desenvolvimento Humano, com valores publicados pelo PNUD Brasil? Nós diremos que o IDH é mais amplo do que só educação, embora ela também seja uma variável considerada em seu cálculo. O IDH considera saúde, educação e renda. Como vamos comparar renda com educação, não dá para usar o IDH, porque ele não é só educação e a renda nós usaremos o RMDPC/IBGE. Mas, já adiantando um resultado, embora não consideramos o IDH, acabamos também fazendo um comparativo e ele confirmou o resultado que obtivemos com a comparação riqueza e educação.

Antes de tocarmos nas análises, precisamos esclarecer: para o resíduo sólido urbano (RSU) diferente dos demais resíduos que aborda, o Panorama não fez uma análise por estado, mas apenas por região do país. Isto trouxe uma dificuldade: se estados já não são homogêneos, imagine regiões. Mas decidimos trabalhar com isto. Por optar por regiões, fomos obrigados a fazer média da soma dos estados para termos índice regional quando tratamos do IDEB, RMDPC e também do IDH. Esclarecido, vamos à análise dos dados.

Segundo a Abrelpe, o Brasil em 2018 produziu por cabeça 1,039 kg/hab/dia, com um total de 216.629 t/dia. Por região temos o Norte produzindo 0,884 kg/hab/dia, o Nordeste produzindo 0,951 kg/hab/dia, Centro-oeste produzindo 0,990 kg/hab/dia, o Sudeste 1,232 kg/hab/dia e por fim, o Sul com 0,759 kg/hab/dia.

Como se pode ver o Sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) são os que menos produzem resíduos sólidos urbanos, por outro lado o Sudeste (Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo) são os maiores produtores de resíduos sólidos do Brasil por cabeça. A diferença entre estas regiões é muito grande: são 0,473 kg/hab/dia, ou seja, o Sul produz o equivalente a 61,6% do que produz o Sudeste por kg/hab/dia.
Além da quantidade de resíduos sólidos urbano, o que diferencia a região Sul da região Sudeste?

Se olharmos para o rendimento nominal mensal domiciliar per capita da população residente nestas regiões vamos ter o seguinte retrato em 2018 (2): o Sul teve uma renda nominal mensal domiciliar per capita de R$1.657,00. O Sudeste teve uma renda nominal mensal domiciliar per capita de R$1.551,00. Se no Sul os estados são mais parecidos na renda, no Sudeste, há uma grande discrepância entre São Paulo, o mais rico, e o Espírito Santo, o mais pobre, derrubando assim a média do Sudeste.

Quando olhamos o IDEB, Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, referência 2017 (3), lembrando que o índice é bienal, considerado a média dos estados e apenas para o final do ciclo básico (8º/9º anos), veremos o seguinte: o Sul apresenta o índice 4.9 e o Sudeste 4.8 (4).

Como dissemos no início, também por curiosidade olhamos o IDH-M 2017 (5) (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) publicado pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e veja o que encontramos: região Sul 0,796 e região Sudeste 0,795 (6).

Olhando para os índices apresentados, vemos que a renda no Sul é em média R$100,00 superior a do Sudeste. Os índices de desenvolvimento da educação básica, são muito próximos, sendo melhor para a região Sul, 4.9, mas numa diferença não expressiva, já que o Sudeste apresentou 4.8. Se olharmos o IDH-M, que vai englobar renda, saúde e educação, também as distancias são muito próximas, com vantagem novamente para o Sul, mas uma vantagem na terceira casa decimal…

O que então nos revelam estes índices? Que não é a educação formal, que não é o poder aquisitivo ou grau de desenvolvimento humano baseado em saúde, educação e renda, que determinam a produção de resíduos. Isto é fato. Daqui para a frente faremos conjecturas.
Talvez o que determina a produção de resíduos tenha relação com uma consciência individual fruto de uma questão cultural. Esta cultura, que por si só, não é boa e nem ruim, já que todos somos brasileiros, é que distingue o Sul do Sudeste do país. O que dá uma personalidade própria para cada região deste enorme país.

O Sudeste sempre foi um grande ator nacional. A primeira vila portuguesa, São Vicente, foi no Sudeste estabelecida. O Sudeste embora sendo a segunda menor região do país, logo atrás do Sul, tem uma grande concentração de pessoas correspondendo a aproximadamente 40% da população nacional. Os três estados mais populosos da nação estão no Sudeste: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Nela estão as duas megalópoles brasileiras: São Paulo e Rio de Janeiro. A região Sudeste é em parte a grande locomotiva da nação.

O Sudeste é eminentemente cosmopolita e sofre de todas as mazelas do cosmopolismo moderno, em especial o politicamente correto, o progressismo, entre tantas outras correntes de pensamento.

A imigração européia, como suíça, italiana, alemã, deu-se mais intensamente nos séculos XIX, o que permitiu com que os anos apagassem e mesclassem muito a cultura destes imigrantes, passando a revelar um valor abrasileirado.

O Sul é eminente agrícola e pastoril, embora não possa ser negada a força da sua indústria ligada ao cooperativismo e ao agronegócio. Recebeu muitos imigrantes no século XX, no ante e pós-guerra. Italianos, alemães, japoneses, espanhóis. E diferente do Sudeste, estes imigrantes, em especial os japoneses e alemães, mantiveram firmes suas raízes e tradições, mantendo uma postura que hoje se distancia de suas pátrias mães e se congela na história.
O Sudeste sofreu mais forte a migração nordestina do que o Sul. O Sul sofreu forte migração do Sudeste, com mineiros e paulistas.

Outro fato interessante, é que o Sul se põe, à nossa observação, mais conservador, no sentido estrutural, do que o Sudeste. Aquele modelo familiar, em especial nas médias e pequenas cidades ainda predominam. Há um visível apego à fé cristã.

Roger Scruton escreve que “o conservadorismo advém de um sentimento que toda pessoa madura compartilha com facilidade: a consciência de que as coisas admiráveis são facilmente destruídas, mas não são facilmente criadas. Isso é verdade, sobretudo, em relação às boas coisas que nos chegam como bens coletivos: paz, liberdade, lei, civilidade, espírito público, a segurança da propriedade e da vida familiar, tudo o que depende da cooperação com os demais, visto não termos meios de obtê-las isoladamente. Em relação a tais coisas, o trabalho de destruição é rápido, fácil e recreativo; o labor da criação é lento, árduo e maçante. Esta é uma das lições do século XX” (7).

Nós estamos propensos a crer que, no Sul, o conservadorismo tem predomínio em relação ao progressismo. A última eleição para presidente indicou isto, embora já há tempos o Sul vinha sinalizando este caminho.

O sentimento conservador afirma que o belo ainda é o antônimo de feio e o limpo é o antônimo de sujo. E o belo e o limpo podem andar juntos, mas não podem ser acompanhados de seus antônimos.

Nesta forma de ver a vida, a produção do lixo é algo mais inconsciente, menos pensado por assim dizer, é um costume de família que se executa naturalmente. Talvez o progressismo do Sudeste promova mais guerra ao canudo e menos uma postura contra o resíduo. É mais marketing de fastfood e ataque gratuito à liberdade.

O conservadorismo no Sul produza menos sobras de comidas, ou mais aproveitamento das sobras em sua própria casa.

É claro que há conservadores no Sudeste e progressistas no Sul. Não há hegemonia, mas talvez predominância nos costumes destas regiões. Com certeza, o norte e noroeste do Paraná tem muito do interior de São Paulo, e do migrante mineiro que veio plantar café. Mas este migrante, assim como nosso imigrante, não se modernizou, continuou com muito de suas raízes que trouxe para o Sul.

Isto é um pequeno ensaio e não um estudo científico, mas eu acredito que a nossa quantidade de lixo é mais cultural, mais metafísica, embora seu resultado prático é que nos transforma em mais sujos ou mais limpos. A diferença de 400 gramas de lixo dia por habitante é mais uma forma de viver a vida do que poder de compra ou educação formal, que aliás, está irremediavelmente perdida…

(1) Panorama 2018/2019, Abrelpe, São Paulo, 2019

(2) https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/23852-ibge-divulga-o-rendimento-domiciliar-per-capita-2018

(3) http://ideb.inep.gov.br/resultado/home.seam?cid=7653344

(4) Aqui a média seria 4.85, mas o IDEB só considera uma casa decimal, então mantivemos o 4.8

(5) https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_unidades_federativas_do_Brasil_por_IDH

(6) Aqui a média seria para o Sul 0,79566, e para mantermos apenas três casas após a virgula, arredondamos para 0,796 e o Sudeste 0,79525 e para mantermos apenas três casas após a virgula, arredondamos para 0,795

(7) Scruton, Roger. Como ser um conservador. Tradução de Bruno Garschagen. 1ª Ed. Editora Record, Rio de Janeiro/São Paulo, 2015, p. 10

 

Rogel Martins Barbosa, Advogado, Doutor em Direito dos Resíduos, professor do curso História dos Resíduos e autor de obras jurídicas, dentre as quais Política Nacional de Resíduos Sólidos – Guia de Orientação para Municípios.

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