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20 de abril de 2024

Todos los muertos


Por Elton Tada / Passeio Publicado 31/10/2019 às 19h30 Atualizado 24/02/2023 às 21h07
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Hoje é dia das bruxas. Um dia especial como todos os outros dias especiais. Pra quem não sabe bruxas foram mulheres cruelmente assassinadas pela igreja medieval porque os homens da época não conseguiam lidar com mulheres repletas de conhecimento e de poder. Por isso, é um dia que nunca deve ser esquecido. Em alguns países comemora-se o Halloween, o qual a tradução literal significa encher as crianças com açúcar para que elas se distraiam da angústia fundamental da existência, a finitude. No Brasil, o dia das bruxas anteprecede o dia de finados. E, finados no Brasil é um dia de contrição, de revisitar uma dor ou uma saudade, é dia de luto e de flores com cheiro bem forte.


Eu, particularmente, acredito que o feriado de finados é mais importante do que o Natal, por exemplo. Porque nem todas as pessoas são cristãs e celebram o nascimento de Cristo, mas todas morrem. Aliás, me desculpe por ir dizendo as coisas assim sem pedir licença, mas somos todos e todas absolutamente mortais. A morte dói, eu sei. E dói por dois motivos fundamentais. O primeiro é a saudade que permeia a morte dos outros. Essa saudade muitas vezes é descontrolada e gera um sentimento de posse/perda insuperável. O segundo motivo da dor da morte é o espelho existencial. Cada vez que alguém próximo morre sentimos que a própria morte está ao nosso redor, e que nosso destino, por bem ou por mal, nos reserva a mesma conclusão.


Vou compartilhar com você minha experiência para que essa dor seja minimizada. Na tradição budista japonesa acredita-se que existe um período de finados. É um período no qual recebemos a visita da memória de nossos antepassados, ou daquelas pessoas queridas que já partiram. Nos dias que antecedem esse período costuma-se limpar a casa, colocar tudo em ordem, como se fosse de fato receber aquela visita, e acender uma vela na entrada da casa para sinalizar o caminho. Essa parte não costumo fazer com tanto empenho. Mas, no final do período de finados existe uma cerimônia na qual soltamos um barquinho colorido e iluminado nas águas de um rio. Então, podemos nos despedir enquanto vemos as águas levarem embora aqueles que nos visitaram. Semana passada fizemos essa cerimônia e coloquei no rio aquele barquinho escrito em japonês “Elton Tada dedica a todos seus ancestrais da família Tada”. No coração me despedi mais uma vez de quem me antecedeu, especialmente de meus avôs e avós.


Tenho uma ligação especial com meu avô paterno, um japonês que migrou para o Brasil com a expectativa de trabalhar por cinco anos e voltar para sua terra, mas que acabou passando todos os dias aqui e tendo seu corpo sofrido gentilmente entregue a essas terras. Essa ligação especial vem do fato de eu carregar o nome desse avô: “Sadao”. Meu nome completo é Elton Vinicius Sadao Tada. O único nome original é Elton. Sadao veio do meu avô e Vinícius veio de um priminho que viveu décadas antes do meu nascimento e que morreu atropelado por um caminhão enquanto atravessava a rua correndo para encontrar nosso avô, o Jitchan Sadao.


Ao soltar o barquinho no rio meu coração se encheu de alegria. Tenho orgulho daqueles que vieram antes de mim. A vida deles ainda vive em mim. Ao meu avô disse: “Vai tranquilo, Jitchan, por aqui tá tudo certo. Eu ainda bato a cabeça de vez em quando, mas a vida está boa. Pode ficar sossegado que seu trabalho e seus ensinamentos seguem vivos em mim. Muito obrigado”. Ao meu priminho disse: “A sua foto sorrindo ainda enche nossos corações de alegria. Não pense que te esquecemos por que ficou pouco tempo por aqui. Você está bem vivo em nossos corações. Vai brincando aí que em breve nos encontramos para brincarmos juntos. Fica tranquilo que estou cuidando de seu irmão caçula. Ele cuida muito de mim e estamos sempre juntos. Até logo, pivete”.


Sigo minha vida fazendo o possível para que ninguém do lado de lá se preocupe comigo. E assim, a dor da saudade se transforma em plena alegria. Afina de contas, se a vida é assim, por que eu lutaria contra ela?

Pauta do Leitor

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