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25 de abril de 2024

CORAÇÕES E MENTES


Por Elton Telles Publicado 14/02/2020 às 20h20 Atualizado 23/02/2023 às 17h08
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“Por que, em pleno 2020, precisamos de mais uma releitura de ‘Adoráveis Mulheres’?” deve ser o que muitos se perguntaram ao saberem que a diretora e roteirista Greta Gerwig pretendia adaptar o romance clássico de Louisa May Alcott para as telonas. Além de minisséries e desenhos animados inspirados pela mesma história, esta é a quarta versão para o cinema, antecedida por “As Quatro Irmãs” (1933), “Quatro Destinos” (1949) e a de mesmo título, “Adoráveis Mulheres” (1994). As quatro produções são amplamente fiéis ao livro, compartilham o mesmo enredo e apresentam caminhos dramatúrgicos muito específicos em comparação à fonte original.

Apesar das liberdades criativas de Gerwig neste novo filme, seu “Adoráveis Mulheres” ainda se trata essencialmente de “Mulherzinhas”, cânone da literatura norte-americana, que acompanha o amadurecimento de quatro irmãs de origem pobre, enquanto seu pai está em campo de batalha durante a Guerra Civil. Todas as quatro garotas têm alguma predileção artística: Meg, a mais velha, gosta de teatro; a mais nova, Amy, é encantada por pinturas; a delicada Beth é a única do quarteto com aptidão para música; e a protagonista, Jo, é uma escritora de mão cheia. O roteiro é democrático e ligeiramente aplicado em conceder tempo de tela suficiente para que o espectador se afeiçoe a cada uma das “mulherzinhas”, nem que seja por um comentário atravessado de uma delas durante uma discussão.

A despeito da admiração pelas artes, as irmãs têm perspectivas de vida bastante distintas. As histórias das quatro se entrelaçam na vida adulta, e o script é tenro e compreensivo com as escolhas delas, sem emitir juízos de valor e sem a desnecessária recaída de evocar atos de antagonismo. Como exemplo, a mais nova das irmãs March, Amy, considerada a mais chata do grupo. Há uma dose inerente de vilania infantil na caçula tanto no livro como nas demais adaptações, porém nesta versão moderna, Gerwig encara a teimosia e irritabilidade da personagem com condescendência e redimensiona as motivações de suas atitudes, sem ignorar o forte laço de irmandade entre as garotas. É palpável o carinho e respeito do filme com todas as personagens – até com a ocasionalmente preterida Amy –, tornando-as personas mais complexas do que estereótipos embalados e prontos pra consumo.

Outro exemplo é a vontade de Meg, a mais velha, de querer casar, ser esposa e mãe rodeada de crianças, decisão veementemente reprovada pela irmã Jo. Em uma bela cena com as duas, a conversa expõe com clareza as motivações da primogênita, e que a sua escolha não deve ser desprezada porque a irmã considera algo “menor”. Sem soar como panfleto de cartilha feminista, o que “Adoráveis Mulheres” nos ensina é que tudo bem qual caminho a mulher vai percorrer contanto que a escolha parta exclusivamente dela. Os diálogos calorosos do filme, bem como as situações e incidentes que cruzam os destinos das personagens, são muito bem tracejados. É notável que o texto passou por revisões atenciosas, o que o envolve em um véu de precisão admirável. Mesmo sendo uma trama com DNA novelesco, quem assiste – e se permite – é vencido pela pureza e encantamento traduzidos em imagens.

Ademais, é muito fácil acessar o universo de “Adoráveis Mulheres”. É como se, ao adentrar a casa aconchegante dos March naquele inverno desolador, o espectador fosse recebido com um abraço e convidado a ficar ao lado da lareira, observando e convivendo com a família. Isso é muito especial, e particularmente difícil permitir que a audiência se sinta tão confortável em um espaço. A direção acolhedora de Greta Gerwig, sempre amigável e maternal, eleva uma história meio rocambolesca, datada e cujo desfecho já sabemos. Permanece convencional, porém de grande impacto emotivo, como se recebesse uma lufada de ar fresco, e sendo perfeitamente ajustável para os dias atuais. Essa, inclusive, é uma das várias sacadas inteligentes desta adaptação: não trair o romance de origem, e com muita propriedade, oscilar entre o aspecto tradicional e o acabamento moderno. O resultado é simplesmente magnífico.

Além de rejuvenescer a publicação, com “Adoráveis Mulheres”, Greta Gerwig presta um comovente tributo ao consagrado romance e à sua autora, Alcott, mesclando ficção e realidade em um extraordinário exercício de metalinguagem, que apenas sublinha o frescor do filme. A releitura, neste caso, supera as páginas do livro e pega o público de sobressalto com a ensolarada homenagem. Outra confirmação do roteiro impecável é a lógica estrutural oferecida para a narração, que adultera a linearidade e a troca por flashbacks muito bem encaixados e que, por ventura, enriquece a trama ao conectar as subtramas secundárias no passado e presente.

Dona de um carisma irrepreensível, incorporado em sua desenvoltura em cena, a irlandesa Saoirse Ronan injeta vitalidade à heroína Jo, comprovando que é a melhor intérprete de sua geração. É impressionante a capacidade desta atriz, de apenas 25 anos, detentora de uma já robusta filmografia, de se ajustar a papeis tão diversos e não reproduzir quaisquer maneirismo nas composições, seja em filmes de época ou ambientados nos dias atuais.

Quanto às outras irmãs, tanto Emma Watson quanto a ótima Eliza Scanlen têm momentos próprios para brilhar, mas é a Amy de Florence Pugh quem dá as cartas. Beneficiada pelo roteiro, conforme já expresso na crítica, Pugh está radiante e é convincente na demonstração de maturidade da personagem. Adornadas com o afeto da direção e a fotografia belíssima assinada pelo francês Yorick Le Saux, as quatro contracenando é de sair faíscas da tela.

Todos os integrantes do elenco estão superlativos em suas atuações, do galanteador Timothée Chalamet à matriarca boa samaritana encarnada por Laura Dern, passando pela sábia e rabugenta tia rica interpretada por ninguém menos que Meryl Streep. Um elenco de ouro, orientados por uma diretora que sabe perfeitamente o que está fazendo.

Vertendo cordialidade a cada frame, a condução generosa e a linguagem perspicaz emprestada por Gerwig são fundamentais para o sucesso artístico do projeto. Me chame de piegas, mas em um período tão obscuro em diversas esferas sociais, é um alento poder assistir a uma obra grandiosa em sua honestidade, capaz de fazer o público sorrir e se emocionar. Se alguém ainda se pergunta “por que mais um ‘Adoráveis Mulheres’ em 2020?”, este pra mim é um motivo suficiente.

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