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20 de abril de 2024

CINE QUARENTENA #6 – BELAS ARTES À LA CARTE


Por Elton Telles Publicado 20/04/2020 às 13h43 Atualizado 23/02/2023 às 05h04
 Tempo de leitura estimado: 00:00

Tal qual a SpCine Play, outra plataforma de streaming que está com acesso gratuito durante o mês de abril é o Belas Artes à la Carte. Pertencente ao Petra Belas Artes, tradicional cinema de rua da capital paulista, o Belas disponibiliza diversos títulos cult – como eles mesmos definem – do clássico ao contemporâneo.

É um apanhado interessante de filmes a que o público não tem acesso com facilidade, endereçado para quem gosta de desbravar o cinema de diversos países e conhecer um pouco de cada corrente cinematográfica, do screwball comedy e da Nouvelle Vague até o Expressionismo Alemão e o Neorrealismo Italiano. Enfim, é um catálogo muito bem-vindo para este período de isolamento social.

Como prova da abrangência dos filmes disponíveis, esta seção da Quarentena sugere produções cultuadas vindas da Rússia, França e dos Estados Unidos.

 

À primeira vista, “Ser ou Não Ser” (1942) pode parecer uma adaptação de “Hamlet” para o cinema, já que o título são as primeiras linhas do conhecido discurso atribuído ao personagem criado por Shakespeare. Na verdade, produzido durante a Segunda Guerra Mundial, “Ser ou Não Ser” é uma inspirada sátira política que se vale do humor corrosivo para ridicularizar a bolha nazista que espalhou medo e destruição pela Europa. A história se passa na Polônia ocupada pelos alemães, onde um grupo de atores nativos tenta impedir que um espião repasse informações cruciais ao inimigo.

Para isso, a trupe vai usar as armas que tem: a (pouca) influência por serem rostos conhecidos e a experiência dos palcos para fingirem ser outras pessoas, neste caso, membros da Gestapo. Situações hilárias e diálogos ardilosos – “O que ele faz com Shakespeare, nós estamos fazendo com a Polônia” – dão o tom para um script espirituoso e bastante conciso, direto ao ponto, embora desconfie que o espectador não se incomodaria de acompanhar mais presepadas extravagantes e bem escritas tais quais o roteiro oferece.

Na condução, Ernst Lubitsch desenvolve a trama com precisão e ritmo contagiante. O elenco também é dirigido com rigor impressionante, rendendo desempenhos gloriosos de Carole Lombard e Jack Benny, como o vaidoso ator e diretor da companhia de teatro. O impacto cultural de “Ser ou Não Ser” é tão enfático que podemos identificar referências em exemplares recentes, como os oscarizados “Bastardos Inglórios” (2009) e “Jojo Rabbit” (2019). Acima disso, é de se imaginar o rebuliço que o filme causou na época de seu lançamento, considerando as cenas explícitas zombando Hitler, assim como Chaplin fez na corajosa paródia “O Grande Ditador” (1940). Dois filmes próximos pela temática, controversos e inesquecíveis.

Reza a lenda que ao assistir o thriller francês “As Diabólicas” (1954), Alfred Hitchcock – que tinha interesse em adaptar o romance que originou o filme – se sentiu “ameaçado” de lhe ser retirada a coroa de “mestre do suspense” e repassada ao cineasta Henri-Georges Clouzot. É compreensível a preocupação de Hitchcock, uma vez que “As Diabólicas” remete a algumas de suas produções mais sombrias, como é exemplo o clássico “Rebecca – A Mulher Inesquecível” (1940). Ambos os filmes são imersos em uma atmosfera densa, implacável e flertam com a esfera do sobrenatural em uma trama fantasmagórica que perturba até o mais cético dos espectadores. O arrepio na espinha é creditado à direção espetacular de Clouzot, habilidoso em sublinhar a dubiedade do enredo com um retrato essencialmente cruel.

As diabólicas do título são Simone Signoret e a brasileira Véra Clouzot – esposa do diretor na vida real –, duas mulheres que se unem para arquitetar o assassinato do marido de uma delas. Boa parte da história se passa em uma escola primária, e o misto de ingenuidade com a tensão crescente torna “As Diabólicas” uma experiência esmagadoramente hostil. A cena final pode ser enquadrada como um dos ápices do cinema de horror de todos os tempos; hoje em dia banalizado e considerado com razão um clichê do gênero.

A novela do jovem casal apaixonado que tem o romance obstruído pela guerra, porque o rapaz é recrutado para ir lutar no front, deixando a garota cheia de esperanças quanto ao retorno, e aí ela chora, sofre, envolve-se com outro homem e blábláblá… São incontáveis os filmes que dividem plot semelhante, de clássicos como “Doutor Jivago” (1965), de David Lean, a caça-níqueis sem escrúpulos como “Pearl Harbor” (2001), de Michael Bay. Tem até videoclipe com essa mesma historinha. E tem o sublime “Quando Voam as Cegonhas” (1957), talvez a melhor apropriação deste argumento batido levado para o cinema. A história por si só exibe um peso dramático natural, sem mencionar a notável capacidade de síntese do roteiro; porém o mais brilhante neste filme soviético é o poder imagético das cenas. A meticulosa decupagem do diretor Mikhail Kalatozov em aliança com o fotógrafo Sergey Urusevskiy, que registrou campos de batalha na Segunda Guerra Mundial, ostenta ângulos e planos memoráveis, de tirar o chão do espectador. A magnífica intercalação de imagens assinada pela montadora Mariya Timofeeva também merece créditos.

Como o apaixonado Boris, o ator Aleksei Batalov está irresistível em cena, mas é da protagonista Tatiana Samoilova que a câmera não consegue desviar a lente. Toda a dor e desilusão da heroína estão escritas no rosto da atriz, e é praticamente impossível o público não se comover com todo os infortúnios que a protagonista enfrenta até o desfecho amparador. O final, a propósito, foi muito aplaudido na União Soviética, que viveu um regime opressor durante o stalinismo. Esgotados pelos vídeos propagandistas, o povo encontrou em “Quando Voam as Cegonhas” um retrato honesto e reconfortante, apesar da devastação física e emocional. Este filme simboliza o recomeço. Também pela sua relevância histórica, é uma realização absolutamente fascinante.

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