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19 de abril de 2024

À SOMBRA DO PAI


Por Elton Telles Publicado 27/09/2019 às 17h37 Atualizado 24/02/2023 às 18h25
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Laços familiares são uma temática constante na curta e expressiva filmografia do norte-americano James Gray. Relações entre pai e filho já vimos adaptadas ao submundo criminoso da máfia russa em “Os Donos da Noite” (2007) e à peregrinação exploratória em terras estrangeiras no magnífico “Z – A Cidade Perdida” (2016). Em “Ad Astra – Rumo às Estrelas”, Gray desloca os conflitos paternos para o espaço sideral e concebe uma odisseia de tirar o fôlego, mesclando ação, emotividade e relances introspectivos em meio à imensidão do cosmos.

A trama é centrada no astronauta Roy McBride, que é notificado da possibilidade de seu pai, ex-chefe de uma expedição espacial há 30 anos, estar vivo e habitando Netuno. Esse mesmo pai pode ser o responsável pela sobrecarga de raios cósmicos que estão afetando o Sistema Solar, colocando em risco a existência dos demais planetas. McBride aceita a missão de procurá-lo com a intenção de interromper os acidentes. E claro, aproveitar para tirar satisfações de ordem pessoal.

Assim se inicia a jornada transformativa do protagonista para preencher o seu vazio interior estando imerso no vazio infinito do espaço, um interessante paradoxo que confirma uma das conclusões de “Ad Astra”: as respostas que buscamos estão sempre dentro de nós mesmos. Refutando qualquer recaída de cartilha autoajuda, Gray filma com elegância ímpar, não somente pelos arroubos visuais nos quesitos técnicos, mas na habilidade de manejar uma trama simples e incluir contornos que a tornam superlativa, desde o aceno ao melodrama até preceitos psicanalíticos.

“Ad Astra – Rumo às Estrelas” não é exceção entre as produções assinadas por Gray no sentido de apresentar uma narrativa calcada no cinema clássico – na definição mais pura do termo. A ousadia reside na condução espirituosa e no preciosismo com que são arquitetadas as imagens, quase sempre plurais em significados. Vital para o valor semântico, o trabalho de iluminação de Hoyte Van Hoytema se posiciona de forma essencial, sobretudo para “calibrar” o tom e atmosfera de cada passagem. E precisamos levar em conta que no roteiro de “Ad Astra” constam cenas de perseguição de carros na lua – em uma pegada “Mad Max” no espaço –, invasões, revelações bombásticas carregadas de drama e tensão proveniente de incidentes, como a fantástica cena introdutória que remete ao início de “Gravidade” (2013). Isto é, um leque de conteúdos diversos que requerem tratamentos direcionados. Felizmente, nada parece estar fora o lugar.

Entretanto, a excessiva narração em off do personagem central, às vezes mastigando o que é muito claro de compreender apenas assistindo ao filme, pode soar cansativa e redundante. Da mesma forma, os flashbacks resgatando a intimidade de McBride, da infância até lapsos de um matrimônio fracassado com a personagem da atriz Liv Tyler – em mera figuração de luxo –, são adições desnecessárias, talvez inclusas para que o público não perca a conectividade emocional com a história. O efeito me soa contrário, já que tais recursos direcionam de maneira inflexível o pensamento do espectador.

Em um ano excelente para Brad Pitt no cinema, considerando sua ótima atuação em “Era Uma Vez em… Hollywood”, o ator esculpe sua interpretação baseada na sensibilidade do astronauta McBride, optando por um retrato mais sóbrio e contido. A descarga de emoções que acomete o personagem no decorrer de seu percurso é muito bem administrada por Pitt, cujas rugas e sinais da face favorecem a sua expressão e vendem bem ideia de uma experiência de vida cheia de indecisões, como é sempre ressaltada em suas falas.

Com bem menos tempo em cena, o veterano Tommy Lee Jones mostra que compreendeu perfeitamente seu personagem, coisa que somente grandes atores conseguem entregar em poucos minutos. A dinâmica compartilhada entre os atores em determinado momento do enredo é extraordinária, e mais uma vez, o esmero de Gray consegue engrandecer o que é tido como convencional.

A temática da paternidade é recorrente em “Ad Astra”, e enche os olhos como o filme costura uma linha de raciocínio madura para mostrar o protagonista como uma extensão de um pai/alguém desconhecido. Como bem diz um deles, “no final, o filho paga pelos erros do pai” é como um punhal deferido no peito. O roteiro é acurado em abordar de forma sensível questões múltiplas inerentes à condição humana, independente do gênero, ao lidar com as expectativas e as frustrações, aquilo que é sagrado e pode se tornar uma profanidade. O conceito de Deus também é adicionado, assimilando a superioridade diante do perfil imperfeito e incompleto, porém justificável da humanidade. São essas “falhas” que permitem nos conectar com nossos semelhantes, igualmente erráticos.

Mesmo com algumas escorregadas, o script é abundante com as suscitações existencialistas contidas nas entrelinhas de uma história “banal” de viagem ao espaço. Essas facetas são o que torna este um projeto encantador. Em meio a tantas superproduções de alto orçamento que pretendem se exibir com efeitos visuais impressionantes, mas se mostram ocas em conteúdo, “Ad Astra – Rumo às Estrelas” conjuga corajosamente a sofisticação técnica com poesia e contemplação, artigos cada vez mais raros no cinema fast-food hollywoodiano.

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