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20 de abril de 2024

Banda Calypso


Por Victor Simião Publicado 31/01/2019 às 15h30 Atualizado 19/02/2023 às 19h58
 Tempo de leitura estimado: 00:00

Para Lis, Danilo e May

Ao passar em frente à perfumaria na Avenida Brasil, o som do alto-falante me chamou a atenção: não tocava Wesley Safadão, muito menos “Jenifer”. Era Calypso quem ditava o ritmo. “A lua me traiu/ Acreditei que era pra valer/A lua me traiu/Fiquei Sozinha e louca por você/”, cantava Joelma– e depois, como se tivesse três pulmões, gritava, ao ponto de fazer Luciano Pavarotti sentir inveja: “isso é Calypsoooooooo”.

Era uma tarde de segunda-feira. Após o desastre da Vale, após todo mundo entender que Bolsonaro é ligado às milícias, após a gente saber que a Venezuela não é de longe uma democracia mas que isso não significa que países devam interferir na soberania nacional, ouvir a banda que veio do Pará me trouxe um pouco de esperança e deleite.

Eu sorria enquanto Calypso tocava, e olhava obcecadamente para o alto-falante, feito um estudante de Engenharia Civil quando consegue 60 em Cálculo II e não tira o olho da nota porque está enfeitiçado e feliz.

Assim como eu, uma vendedora da perfumaria também sorria. Pensei em me aproximar, puxar assunto, perguntar a ela se a lua já havia lhe traído, se já andara em um cavalo manco, se conhecera o estado do Pará. A dois metros da mulher, enquanto erguia o braço para tocar no ombro dela, a vendedora, de costas, se virou, pediu licença a mim e se foi.

Entendi, então, que ela não exibia os dentes porque ficara feliz pela música. O motivo é que o expediente chegara ao fim. Assim é fácil ser empregado no Brasil.

O fato de ter ouvido Calypso no começo de semana no centro de Maringá me colocou contra a parede. Não, eu não me senti como um presidente despreparado falando em um fórum econômico mundial, nem como ex-governador preso no Paraná, em um escândalo de corrupção, após passar anos dizendo que eram os outros os responsáveis por essa prática.

Em verdade, em verdade vos digo: eu me senti velho.

A estridência da voz da líder da banda paraense me fez pensar em meu passado pré-internet, em que a coisa mais próxima do Youtube que eu tinha era o aparelho VHS dos meus pais em Umuarama. E aí me lembrei da minha infância: refrigerante e macarrão só aos domingos; a gelatina de abacaxi da vó Lindalva; o bife maior para o meu pai; o furto de uma borracha bicolor aos 7 anos de idade e o peso da culpa que isso me causou – ao ponto de me fazer orar e jejuar por 40 dias e 40 noites, com o demônio me atentando de várias formas: hambúrguer, pizza, sonhos com borrachas e gigantescas correndo atrás de mim etc.

Calypso, na primeira metade dos anos 2000, era a atração nas TVs aos domingos. Faustão, Gugu, Eliana: todos queriam ter no palco aquele casal do Norte do Brasil. Nossa família esperava por essa banda após o almoço na casa da vó Lindalva.

O swing da guitarra do Chimbinha era poderoso. Ah, o Chimbinha! Aquela barriga saliente dele, aquele topete descolorido dele, aquele sotaque dele… Nada mais tão esquisito porém encantador para uma criança de 10 anos que vivia no interior do Paraná. A Joelma, por sua vez, era uma das minhas três musas. Ao lado dela, de igual para igual, Adriana Bombom e Zeca Pagodinho.

Ouvindo Calypso no alto-falante da loja, me lembrei de quando a banda foi a Umuarama e fez um show. Era 2005 ou 2006, por aí. Em decorrência de minha pouca idade, não pude ir. Já meu irmão, com seus 20 e poucos anos, foi.

Deitado em minha cama enquanto a apresentação do casal mais popular do mundo ocorria na ExpoUmuarama, contei cavalos mancos – não carneirinhos – para dormir. Aguardava ansiosamente o outro dia para ouvir o que meu irmão me diria sobre Joelma, Chimbinha e o estado do Pará.

Qual frustração não foi quando ele me disse querer dizer tudo mas não podia.

– E por que não, Rafa?
– Porque eu bebi e não me lembro, cara.

Julguei meu irmão durante anos, até o dia em que eu fui a um show que ele gostaria muito de ter ido. Por ter ficado bêbado, não puder contar ao Rafa como foi a festa. Estamos quites, desde então.

Calypso, passado, infância. O mundo mudou. Hoje há o Youtube, redes sociais, tudo é diferente. O Spotfy alterou a forma como se consome música. No passado, tínhamos a TV, o rádio, o Cd pirata. Agora, que mundo diferente!, é possível seguir o padre bonitão no Twitter, sem a mediação de um veiculo tradicional de comunicação. Não mais TV, não mais rádio, menos ainda um CD comprado em alguma banca com itens contrabandeados diretamente do Paraguai.

Isso é legal? É. Mas só quem viveu o passado percebe algumas diferenças. O maior padre de todos, por exemplo, não era bonitão, não usava barba e nem era amigo do Lucas Lucco. Esse padre encantava multidões ao dizer “Erguei as mãos e dai Glória a Deus” (pronuncia-se Deux, caso você seja o cabo Daciolo); ou “O senhor tem muitos filhos, muitos filhos ele tem/Eu sou um deles, você também/Louvemos ao senhor”.

Só quem viveu no passado sabe que Anitta, Pablo Vittar e a 127 mil duplas sertanejas que atuam neste exato momento do Brasil não chegam aos pés de Calypso tocando aos domingos, na TV, enquanto você saboreava a gelatina de abacaxi e torcia para não ter nenhum problema estomacal porque o almoço fora macarrão e refrigerante.

Não, isso não é saudosismo, saudade do passado, memória romantizada da infância.

Sabe o que isso é?

Isso é Calypsoooooooo!

Pauta do Leitor

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