Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso site, personalizar publicidade e recomendar conteúdo de seu interesse. Ao acessar nosso portal, você concorda com o uso dessa tecnologia. Saiba mais em nossa Política de Privacidade.

25 de abril de 2024

Alguns presentes de Natal


Por Victor Simião Publicado 06/12/2019 às 14h00 Atualizado 25/02/2023 às 05h20
 Tempo de leitura estimado: 00:00

Neste fim de ano, duas histórias não saem da minha cabeça. A primeira envolve um amigo do passado, aconteceu há anos. A segunda, mais recente, ocorreu na abertura do Natal em Maringá, a “Maringá Encantada”.

Há dias sem escrever, a Júlia, minha analista, disse que o melhor seria colocar qualquer coisa no papel. “Há coisas das quais a gente não foge, Victor. Você, da escrita. Algumas pessoas, do lanche do McDonald’s. É a vida.”

Segui, então, as recomendações dela, leitor.

Para já deixar claro, a crônica está dividida em três momentos. O primeiro é minha história com o meu amigo do passado. O segundo, o causo acontecido na abertura da Maringá Encantada. O terceiro é a conversa entre mim e Júlia, buscando reunir as duas situações.

Boa leitura.

(Lembrando só que, em caso de problemas, a culpa é da minha analista.)

***

Não me lembro exatamente quando foi, mas um amigo certa vez me disse que amava o período natalino. Como me viu sorrindo, percebeu que eu também. Quis saber os meus motivos.

– É que tem luzes, pessoas aglomeradas, música tocando – eu disse.
– Te lembra a infância?
– Não: festa reive.

Rimos. Aí ele decidiu que iria me contar os motivos dele. Sem pensar muito, me apresentou aquela memória que, palavras do meu amigo, marcava o melhor fim de ano que ele tivera em toda vida.

– Eu tinha 12 anos. Meu pai havia morrido dois anos antes. Não me lembro como, porque não tínhamos grana, mas minha mãe decidiu fazer o melhor Natal de nossas vidas, a minha e da minha irmã. Ela chamou primos, tios, tias, vizinhos. Durante a festa, enquanto bebíamos Fanta uva, a minha mãe pediu a atenção de todos. Disse que tinha uma coisa para dizer, algo muito importante que já deveria ter sido falado.

A voz dele embargou.

– “O meu marido”, a minha mãe disse, “tinha um sonho: o de tornar a nossa família a mais feliz do mundo. Infelizmente, ele morreu há algum tempo, mas fez o possível. Há alguns dias, recebi a resposta de um colégio. O meu marido tinha batalhado por uma bolsa de estudos para o meu filho. A resposta chegou, finalmente. O meu filho vai estudar na melhor escola particular do Paraná. E não vamos pagar nada. Neste 25 de dezembro eu posso dizer: somos a família mais feliz do mundo!”.

Meu amigo começou a chorar, se lembrando do acontecimento.

– Daí em diante, Victor, eu estudei e me tornei quem eu sou hoje. O meu pai, ele fez muito por mim. Como morreu cedo, eu nunca pude agradecê-lo.

***

Dois dos artistas que mais me emocionam em língua portuguesa se apresentaram em Maringá no dia 15 de novembro: Renato Teixeira e Sérgio Reis. (À frente deles, apenas Luiz Cláudio, do Raça Negra, cantando “Me leva junto com você” – e que Língua, a dele!).

A dupla veio à cidade para abrir a festa natalina da Prefeitura, a “Maringá Encantada”. Por alguns motivos que somente Deus pode explicar – o que não será agora porque ele está preparando a festa para o filho, a ser comemorada no dia 25 -, consegui chegar ao camarim. Ou quase. Havia uma fila.

Um produtor avisou que era só uma foto e adeus. Confesso que o recado dificultava minha missão: conseguir um autógrafo num CD recente da dupla, o ótimo “Amizade Sincera”. Caso eu fosse impedido, claro, iria para o plano bê: roubar a viola, amanhecer com ela e ir viajar. Não foi necessário, e o que me aconteceu na fila precisou deste registro.

Composta por figurões, a fila de acesso ao camarim tinha apenas dois elementos estranhos: eu e o Papai Noel. Ele, no fim das contas, nem queria ver os velhinhos que pouco depois se apresentariam.

– Queria é colocar meus pais para que tirassem foto com eles. Pai e mãe amam os dois, especialmente o Sérgio Reis – ele me disse.

Apesar de não ter visto nem anões e nem renas, suspeito que algo encantado tenha acontecido. O Papai Noel conseguiu negociar com a produção para que os pais dele conhecessem os artistas.

– Mas daí você não entra – disseram ao bom velhinho.

Talvez ele tenha se comportado mal neste ano.


***

“Ok, Victor. Mas, até agora, as duas histórias ainda não fazem sentido”, ela me disse. “Júlia, vai ficar tudo bem. Estamos chegando ao final.”

– Pai, mãe, vem aqui, vocês é que vão entrar – o Papai Noel disse bem alto, já que os genitores aguardavam do lado de fora. Em seguida ele se retirou.

“Júlia, fiquei pensando nos motivos que levaram a essa decisão. Até agora, tenho lá minhas ideias, provavelmente nada reais. Mas conto a você que, talvez, o hoje Papai Noel tenha recebido algum presente especial em um Natal, quando ele ainda não tinha barba branca, muito menos barrigona. Um item especial, dado pelos pais, durante uma festa em que nem Fanta uva tinha. Imagino que tenha sido um presente que tornou, naquela noite de décadas atrás, a família dele a mais feliz do mundo.”

“Siga, Victor.”

“Não pude evitar pensar, Júlia, que o Papei Noel poderia ser aquele meu amigo. Aquele que, graças ao pai, conseguiu uma bolsa de estudos e hoje é figura importante no setor em que atua.”

Assim que saíram do camarim, de foto tirada, os pais do Papai Noel pareciam ter ganhado o grande presente de Natal.

“Sim, eu sei. Talvez nada disso faça sentido e eu esteja misturando histórias que não tenham relação nenhuma. É por isso que, antes que você me julgue por isso, justifico-me: apesar de parecer uma festa reive, o período natalino não me deixa doido, me deixa emotivo. E, ah, eu consegui o autógrafo!”.

“Coloque essa história no papel. Há coisas das quais a gente não foge, Victor. Você, da escrita. Algumas pessoas, do lanche do McDonald’s. É a vida.”

Dito e feito.

A quem chegou até aqui, desejo um feliz Natal.

(Inclusive a você, minha analista!)

Pauta do Leitor

Aconteceu algo e quer compartilhar?
Envie para nós!

WhatsApp da Redação