NUNCA DIGAM: ISSO É NATURAL!

Já se perde nas noites do tempo o dia em que ouvi alguém citar Bertolt Brecht, ou Euger Berthold Friedrich Brecht. A citação era esta:

Nós vos pedimos com insistência:
Nunca digam – Isso é natural!
Diante dos acontecimentos de cada dia,
Numa época em que corre o sangue
Em que o arbitrário tem força de lei,
Em que a humanidade se desumaniza
Não digam nunca: Isso é natural
A fim de que nada passe por imutável.

Este “não digam nunca: isso é natural” causou em meu espírito, já predestinado ao questionamento, o acionamento do alarme. Desconfie. Questione. Pergunte. Foi assim que me tornei doutor, perguntando, questionando. Foi assim que servi a sociedade como servidor público. É assim que sirvo a sociedade como advogado.

Dia destes recebi um convite para um grande evento sobre resíduos neste país de meu Deus. Assunto que sempre me interessa, na academia e na advocacia. Mas um fato me chamou a atenção, fato que eu já tinha visto antes, mas agora era alardeado como chamariz para um evento nacional. Brasileiros produzem 1,2 quilos de resíduos dia! Não sei você, mas eu não achei isto natural.

Olhei à minha volta e vi pessoas repetindo, “oh, nós produzimos 1,2 quilos de resíduos dia! ”. Para minha sorte, naqueles mesmos dias, acabei dando uma palestra para uma turma de estudantes de doutorado em direito. Massa crítica em mais alto grau. Pois é…

Toquei no assunto dos mil e duzentos gramas de lixo dia e todos se acharam porquinhos, uns até acharam que deveriam produzir mais! Então fiz a pergunta constrangedora: você já pesou o seu lixo diário para ver se produziu 1,2 quilos de lixo? A resposta com o sorriso sem graça: não. Ninguém naquela turma de alta massa crítica tinha um dia pesado seu lixo!

Pois é, eu pesei o meu. Neste momento inclusive minha casa produz mais resíduos que o normal, pois tenho uma recém-nascida e ela a cada poucas horas, faz o obséquio de descartar uma fralda e sempre uma fralda mais pesada do que quando foi colocado nela!

E aí? E aí que per capita, mesmo com a ajuda da minha garotinha, não beiramos o um quilo dia! No Paraná, há alguns anos o Instituto Ambiental trabalhava com a média de 600 gramas.

Você já reparou o que é seu resíduo? Então, repare nele. Talvez você produza mais do que minha casa per capita e talvez produza muito menos… Eu estou no sul, terra de classe média e acho que sou desta classe.

De todo modo o estado começa a trabalhar com este alto quantitativo, e paga por ele nos contratos públicos! Paga com o teu dinheiro… E se produzirmos mais? E se produzirmos menos? Quem ganha? Quem perde?

Não quero te despreocupar com a quantidade de resíduos, só quero que preste atenção. Não diga que isto é natural, a fim de que aceite proposições que não sabemos se são para o bem ou para o mal.

Rogel Martins Barbosa, Doutor em Direito dos Resíduos, advogado, professor do curso História dos Resíduos e autor, entre outras obras, do Política Nacional de Resíduos Sólidos Urbanos, Guia de Orientação para Municípios.