Razão da Razão

O poeta já disse há muito tempo ‘quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração?’. O Brasil todo já cantou esses versos que atravessaram gerações, mas duvido sinceramente que muitos tenham entendido seu sentido. Não pense que sou chato por natureza. Não tem a ver com isso. Meu trabalho é duvidar das coisas e é claro que isso acaba chateando as pessoas. Quanto a isso, não posso pedir desculpas. São ossos do ofício que aceito bem, pois eles são precedidos pela condição inata, a vocação. Quanto ao resto, lhe digo com tranqüilidade, não acredito que exista razão nas coisas feitas pelo coração nem nas coisas feitas pelo ser humano em geral.

Há uma ressalva que preciso fazer antes de dizer que o ser humano é completa e absolutamente louco. As coisas do corpo, essas sim, são cheias de razão. As dores e os desejos, os prazeres, o prato de feijoada que se vence, em tudo isso há a pura e verdadeira razão.

O que se chama de razão na ciência, a famosa e supervalorizada racionalidade é só mais uma arte, trabalho de artesão, do grego techné. Como toda técnica, ela é de posse restrita e seu domínio é socialmente estimado. Esses poucos que dominam tal arte são os mesmos que detém o poder. Propósito ou sincronicidade?

A razão muda vidas, é claro. Isso é algo que nunca duvidei. Mas considero também que mandinga, macumba e garrafada são forças inegáveis da natureza.

Por isso, e por ser um técnico da ciência é que afirmo que a irracionalidade, essa sim, é subestimada. Afinal de contas, só pode ser irracional quem segue uma única linha. Quem toma um remédio sem entender seu funcionamento só pode ser adepto de curandeirismo. Talvez eu esteja errado, mas também sei que se for o caso, posso muito bem lidar com isso. E você, pode?