Lúcido, pero no mucho

Uma vez me perdi no sorriso de uma morena dos cabelos cacheados, e mais do que rápido busquei alguma coisa – qualquer coisa – em que pudesse me segurar. Li poemas existencialistas para ver se me entristecia, assisti seriados populares para ver se me distraía, e nada, nothing, niente. Aprendi um monte de coisas importantes naqueles dias em que o coração batia mais forte e o estômago funcionava na marra. Lembrei-me – me lembrei no [in]correto vernáculo – de que não tenho um corpo. Não mesmo. Eu sou um corpo. Um conjunto de encaixes duvidosos, uma caixa acústica surpreendentemente funcional, uma aparência cansada e uma necessária e mistificada consciência.

É maravilhoso se perceber. É intenso. Tão intenso que se esse texto não fosse publicado para um público de idade irrestrita, eu diria alguns palavrões. Não duvide, um palavrão qualquer, uma simples maledicência muitas vezes é mais sincero que um ‘eu te amo’. Mas, sim, nesse caso, perceber-se é apenas maravilhoso. E para evitar qualquer confusão, eu não te amo, de coração. Eu falo é pra ser certo. Se fosse para minhas palavras gerarem confusão eu seria, sei lá… ministro do governo atual.

Uma vez me perdi no sorriso de uma mulher de nome composto e logo em seguida me percebi. Tiro certeiro. Quase, na verdade. Porque se me perdi, não tinha nada que me encontrar. É assim que as pessoas fazem, vão lá e se perdem, se jogam no abismo. Esse abismo, alguns sábios chamam de fé, mas para outros é paixão. E eu não sei ao certo quem está mais certo, porque a arte vem de viver da fé, só não se sabe fé em quê. Fé em um futuro melhor? Fé na lealdade de alguém, na fidelidade, ou a simples e ingênua fé de que essa vida tem algum sentido por conta do amor? Eu, que sou errado por natureza, quero deixar tudo certo e meu olhar para o mundo se contamina com uma perfeita transparência.

Quem mantém os óculos limpos demais perde a chance de ver o mundo a partir de suas próprias sujeiras. Talvez você não saiba, mas as luzes da cidade são muito mais sexy quando se tem astigmatismo. Exatamente por isso as pessoas ficam mais bonitas no inverno. Elas se empacotam. Você vê menos delas, e algumas vezes o ver menos domina toda sua atenção.

Para nós que somos imperfeitos e malditos desde dois dias depois da criação, a lucidez pode ser um engodo sufocante. Cabe-nos a dieta do momento, um gole de loucura em jejum, se possível com água morna. Aquelas pessoas muito certas não hão de me enganar, embriagam-se de fábulas, mitos e álcool, e me chamam de louco porque não tenho intenção de pagar parcelas durante trinta anos para me dizer dono de um apartamento.

Nesse momento, não espero ser dono de nada nem de ninguém. Não espero estar sempre certo. Não espero ter mais razão do que você. Espero terminar logo esse texto, deixar minha lucidez apenas para quando a lucidez for necessária, e viajar nas curvas de um sorriso.