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18 de abril de 2024

Bandido bom


Por Passeio Publicado 12/09/2018 às 12h00 Atualizado 18/02/2023 às 06h30
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“Esse traficantezinho tinha pai e mãe, dois coitados que nunca esperaram que tamanha desgraça lhes acontecesse.”

Hoje, para facilitar meu trabalho, vou contar a vocês uma historia que já está pronta, algo que já aconteceu e que não preciso acrescentar ou tirar nenhuma palavra. Eu sou assim, aproveito o fluxo pra evitar a fadiga. Quem há de me condenar? Por isso, trago a vocês a historia de um bandido, um cara do mal, um traficante e seu declínio glorioso. Essa é mais uma daquelas histórias que dá gosto ser do bem, que dá orgulho de ser um daqueles que Deus escolheu para servir como padrão para a sociedade. Tenho certeza que você também é um desses.

A história que te conto agora é de um traficante, mas eu deveria mesmo é chamá-lo de traficantezinho. Em português temos essa possibilidade gloriosa de chamar os outros de “inho” para diminuí-los um pouco além do alcance da própria palavra. Esse traficantezinho tinha pai e mãe, dois coitados que nunca esperaram que tamanha desgraça lhes acontecesse. Como já diz o ditado, “para pobre, desgraça pouca é bobagem”. Sua mãe chegou a ser orgulhosa do filho, seu primogênito, que não nasceu de todo lindo, mas que também não era uma criança feia. Mas com o tempo o orgulho foi vencido pela desilusão e a desilusão deixou o coração daquela mãe em um nível de tristeza nunca antes por ela experimentado, a tristeza exclusiva do coração de quem é mãe.

O pai desafortunado tinha como um de seus poucos tesouros um quadro daqueles do ano em que seu time fora campeão. E esse ele mesmo havia comprado. Foi à loja com o filho e depois tirou uma foto do moleque com a camisa falsificada que o havia dado de aniversário. No velório do meliante, ousou chorar copiosamente, como se pai de traficante tivesse o que sofrer, como se até ele não soubesse que a morte era uma pena branda demais para um infrator compulsivo da lei. E o caixão ainda foi a prefeitura que deu.

E no caixão pago com o seu e o meu dinheiro, repousava o corpo daquele desvio da sociedade, mas até o corpo de quem vive errado fica estranho, parece que não descansa, parece que está de prontidão para algo que ainda há de acontecer. Mas agora vem a melhor parte: o momento derradeiro dessa vida indesejada.

Ele tinha fugido da escola. Sim! Não te disse que era ainda um traficantezinho? Pois bem, tinha doze anos de idade. Já havia fugido do abrigo, do conselho, da polícia, e de todos os demais âmbitos do Estado, mas hoje tinha apenas fugido da escola. Sem planejar direito, mas cheio de raiva nos olhos, entrou decidido na loja e pegou um par de chuteiras verde-limão. Ele queria ser um sucesso, queria ser também um menino Neymar. Queria ter várias chuteiras e ser amigo dos pagodeiros que aparecem domingo na TV. Mas veja só, era apenas um traficantezinho. Tinha começado aos oito, levando trouxinhas de droga de uma esquina à outra por uma moeda de meio real. Um dia deixou a droga cair e levou um murro na cara. E sentiu tantas dores que também aprendeu a usar. E um dia segue o outro até que numa tarde abafada ele fugiu da escola, roubou um par de chuteiras e correu como Gump, sem saber pra onde ir, mas com seu sonho nas mãos e sem nenhuma vontade de ficar.

Graças a Deus existe segurança pública. A polícia o perseguiu e eventualmente o encontrou. Ele caiu no chão e se machucou. Lembrou de quando ralara o joelho jogando bola no portão de casa com seu pai. Caiu e ficou caído, conseguiu apenas se ajoelhar. Chorando gritava “não atira! Por favor!”. E com os braços estendidos como se fosse defender um pênalti de seu ídolo, levou o primeiro tiro. E foi bem no peito. Furou sua mão e gerou-lhe um friozinho estranho. Já sentia o gosto de morrer. Ainda tomou mais quatro tiros, só pra garantir. E antes de desfalecer chamava sua mãe. O traficantezinho – esqueci de dizer – também era criança. Lembrou-se do cheiro de seu quarto quando limpo e do sorriso de Marcela, a menina loira com quem estudava e com quem desejava – no mais íntimo segredo – um dia se casar.

E como eu sei dessa historia? Está tudo gravado. Você não viu? O PM gravou o menino agonizando. E todos riram quando ele começou a chamar pela mãe: “Mãe! Mãe! Mãe…”

Foto da capa: Pixabay

Pauta do Leitor

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