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18 de abril de 2024

Eu grafito, tu grafitas, ele apaga


Por Victor Simião Publicado 23/08/2018 às 16h30 Atualizado 18/02/2023 às 01h01
 Tempo de leitura estimado: 00:00

A parte lateral do ginásio Valdir Pinheiro, que pode ser vista para quem está na Avenida Herval, está mais bonita do que nunca. Ali, artistas grafitaram imagens que chamam a atenção de quem olha. A minha também, na noite de terça-feira (22).

Mais bonito que isso, só o que sinto por você – disse João a Maria, enquanto caminhavam em direção à UEM e viam os grafites.

Mais impactante que isso, só o aumento que o STF quer dar para si próprio – afirmou uma advogada enquanto buscava o filho no Gastão Vidigal.

Mais chamativo que isso, só o fato de que tem gente que dorme embaixo das marquises do ginásio – relatou um empresário que caminha todos os dias na Vila Olímpica em busca da perda de peso, mas que, sempre que possível, come três pastéis de frango com catupiry na feira.

Os desenhos foram feitos no fim de semana, quando da realização de um encontro de grafite. A ação contou com artistas de todo Brasil.

Entretanto, no agora muro colorido há uma parte sem pintura. Antes tinha. Nesse espaço havia três desenhos que compunham um grafite: uma mulher sendo violentada sexualmente, um homem negro sendo difamado por dois outros homens e um jovem negro apanhando da força policial. Ao lado, os dizeres: “É melhor  já ir se acostumando”, uma referência ao presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) e aos correligionários dele, que costumam repetir essa frase, e “Contém ironia”.

A arte é de Paulo Ito. Era, melhor dizendo, porque foi apagada a pedido da Prefeitura de Maringá no domingo (19). O motivo: infringir a lei eleitoral de 1997. 

Esse grafite tornou-se tema de um debate envolvendo comunicadores, políticos e artistas no domingo, no Facebook. Para algumas pessoas do primeiro grupo, os desenhos faziam apologia à violência; para o segundo, era uma propagada eleitoral; o terceiro se manifestou contrário ao apagamento, dizendo ser isso um tipo de censura.

Atentemo-nos aos fatos com mais atenção.

Alguns comunicadores – e não apenas eles – viram os desenhos como incitadores de violência.

Como assim um homem violentando em uma mulher? Como assim um policial batendo em um jovem negro? Como assim pessoas ofendendo um homem negro?

Vá lá. Eu até concordaria com essas pessoas não fosse o fato de que os desenhos não incitavam, mas retratavam o que de fato acontece no Brasil. Casos de feminicídio e racismo em Maringá e no país têm sido tão ou mais comuns do que políticos dizendo ser o novo ou abraçando e beijando crianças em período eleitoral. A violência policial contra inocentes também é um fato, senão em Maringá, ao menos no Rio de Janeiro e São Paulo.

(Sem contar que a polícia brasileira é a que mais mata e mais morre no mundo. Mas isso é conversa de outra hora.)

Para além disso, o fato de que muitas pessoas viram ali não uma obra de arte e sim desenhos que incitam à violência mostra que ainda temos um longo caminho para avançar nessa área e explicar o que é arte e para quê serve – se é que tem alguma função.

Imagino o que elas poderiam pensar caso lessem Marquês de Sade, Rubem Fonseca, Patrícia Melo. Ou, então, se vissem pinturas gregas em que a violência e o relacionamento homoafetivo são destacados. Sem contar o Queermuseu.

Se essas pessoas vissem o que apontei acima, haveria um pedido de apagamento de toda essa história?

Quanto aos políticos, a justificativa dada pelo poder público para que o grafite fosse apagado foi a seguinte: os dizeres “É melhor já ir se acostumando” faziam propaganda – mesmo que contrária – ao Bolsonaro, algo que é proibido em um local público, conforme a lei eleitoral de 1997.

Também tenho minhas dúvidas em relação a isso. Mas, no Brasil, em se tratando de direito e interpretação dos fatos, tudo é possível: até se manter em um cargo político mesmo com uma série de acusações, indícios e outros itens que deveriam ser levados em conta.

Quanto aos artistas que consideram o apagamento do grafite uma forma censura, a opinião é válida. Essa afirmação nos lembra duas formas de governo muito conhecidas que construíram hegemonia cultural para que pudesse apagar o pensamento contrário: nazismo alemão e socialismo soviético.

O resultado disso, sabemos, foram duas tragédias para a humanidade, cada uma de maneira própria.

Ou aceitamos as ideias contrárias, inclusive a arte que nos incomoda, ou então a conjugação do verbo se limitará ao eu grafito, tu grafitas, ele apaga.

O que me consola pensar, enquanto observo o muro pintado de preto e sem grafite nenhum, é que em muitos casos é a censura que ajuda mais ainda a divulgação e permanência da obra.

Mary Shelley com “Frankenstein”, Chico Buarque com músicas como “Cálice” e “Apesar de você” e James Joyce com “Ulysses” são alguns dos exemplos de artistas e obras que tiveram algum tipo de censura quando lançados. Hoje, são marcos importantes para a história cultural. Esses artistas e as obras que fizeram são temas de debates acalorados. Quem sabe esse desenho do Paulo Ito também não o seja no futuro? No presente, ao menos, motivou debates e mostrou quem é quem em uma disputa no campo artístico em Maringá.

Caso os três desenhos e o fato de ter sido apagado sejam lembrados no futuro, é melhor já irmos agradecendo aos que pediram a retirada do grafite no muro:

Obrigado pelo apagamento.

P.S: Contém ironia.

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Fale com o cronista: victorsimiao1@gmail.com

 

 

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