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25 de abril de 2024

Eu: aluno, eu: estagiário


Por Victor Simião Publicado 13/09/2018 às 16h00 Atualizado 18/02/2023 às 06h56
 Tempo de leitura estimado: 00:00

Depois de três suspensões, quatro mudanças de colégio, uma infinidade de reuniões entre diretores e meus pais e uma série de assinaturas falsificadas por mim para me passar por minha mãe, estou novamente em uma escola. Não mais como aluno. Dessa vez, como estagiário da disciplina de Sociologia.

Atualmente, sou acadêmico de Ciências Sociais. Nós, graduandos, temos algumas obrigações. E não, não é militar; muito menos usar substâncias psicotrópicas por imposição; e não, não existe a obrigatoriedade de ser um-intelectual-chato- e-arrogante-e-metido-a-sabe-tudo – isso acontece por escolha própria de cada um.

Agora, como estagiário, do outro lado da sala de aula, me lembro daquela clássica frase que poderia de Fernando Pessoas mas não é; que poderia ser de Clarice Lispector mas não é; que até poderia ser de Caio Fernando Abreu mas não é: “Aqui se faz, aqui se paga”.

Em criança, fui um estudante… problemático – para pegar leve comigo mesmo. Inteligente mas barulhento, engraçado porém pentelho, feio todavia… Bem, nesse caso não havia e não há porém algum. Feio e ponto.

Sentado novamente na carteira de uma escola, acompanhando uma aula da professora regular e vendo a reação dos alunos, me recordo de todo o meu passado de estudante: uma criança estranha, um juvenil rebelde, um barril de pólvora explodindo de tempos em tempos.

Quando um adolescente da classe em que estou faz uma piada, vejo a minha própria imagem fazendo o mesmo com os meus professores. Hoje, aos 24 anos, conhecido como Victor Simião, me recordo dos meus , 10, 11, 12, 13 anos de idade, quando eu era mais conhecido pelo meu nome de registro: João Victor. Na hora da chamada, João; para os amigos, Jão.

Uma das gozações mais comuns que eu fazia durante as aulas envolvia a conjugação errada de um verbo para haver, ao final, o chiste.

– Professora, nóis foi ontem jogar bola – eu dizia.

Quase na mesma hora, a comandante-em-chefe da classe me corrigia, sem saber que tudo já havia sido pensado previamente.

– Não, João. Não se diz nóis foi. Se diz nós fomos – a professora argumentava.

E eu, para a alegria de todos, arrematava:

– Ué, a senhora foi também? – e aí a turma ria; às vezes até a própria mestre esboçava um sorriso.

Os papeis, hoje, se alternaram. Como estagiário dentro de uma sala de aula, preciso ficar em silêncio, mostrando seriedade. Não posso e não devo fazer piadas, mas é difícil. É como dizem por aí: a gente sai do fundão, mas o fundão nunca sai da gente (CAMÕES, Luís de).

Em Umuarama, a escola em que mais tive problemas foi complacente comigo. É o que percebo hoje. Causador de quase todos os problemas quando criança e adolescente, só não fui preso, acredito eu, porque houve uma intervenção feita por meus pais e diretores quando eu estava na quinta série, em 2005.

(O meu melhor amigo à época foi preso na Argentina, tempos depois, pelo que me contaram. Mas isso é outra história.)

É por isso que quando estou em sala de aula, com adolescentes que se vestem hoje como eu me vestia no passado e falam com as gírias do momento, eu me lembro do Leo Uliana, o galo, do Leo Herreira, o narigudo, do Flavinho, o gordão, do Rodrigo, o anão, do Edu Herreira, o filho do Gepeto, do João Gustavo, o eterno repórter – e até do Danilo, o cabeça de balão – que me excluiu do Facebook tempos atrás sabe lá Deus por quê.

Também me lembro do Alex e do Anderson, meus eternos amigos com quem eu jogava futebol, do João Roberto, que me apresentou os Racionais Mc’s, até do Cristiano, o descendente de japonês de língua presa que se achava a pessoa mais violenta do mundo. E isso na terceira série.

Quando vejo adolescentes trocando sorrisos e carinhos e ficando juntos no intervalo eu me lembro dos casais do Hilda Kamal. Grupos dos quais, na infância, eu não fazia parte. Além de ser feio, eu tinha que resolver minha situação quase que semanalmente com diretores.

Quando vejo só um grupo de meninas conversando no pátio do Colégio de Aplicação Pedagógica da UEM, eu me lembro que, não sendo bonito mas sendo simpático, eu tinha amizade com a Bruna, com a Amanda, com a Maria Carolina, com a Taty. Algumas delas, aliás, meus primeiros amores platônicos, nunca declarados anteriormente.

Quando ouço o sinal do intervalo no CAP, a trombeta da liberdade para o aluno!, me lembro do Hilda Kamal, o último colégio em que estudei em Umuarama antes de me mudar para Maringá. Aí me recordo do seo Juvenal (Juvêncio ou Justino?), o porteiro que, à época, a gente achava que ele tinha 113 anos, mas que sempre nos dava bom dia e entrava em nossas brincadeiras de moleque.

Também me recordo dos roubos de boné que aconteciam dentro da escola, do baralho que a gente jogava escondido, do rap que a gente ouvia no intervalo. A escola pública não tinha câmera. Na época, nem aquela TV laranjada: marca registrada do governo Requião e que raramente funcionava quando era necessário.

Eu me lembro de tudo isso enquanto estou em uma turma de o segundo ano estagiando. Fico com vontade de sorrir e derramar lágrimas pela lembrança. Mas eu preciso ficar sério.

Agora, não mais aluno, eu sou o estagiário disciplina de Sociologia.

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